«Tudo isto penso, sem nunca te dizer nos “mails”, em vez disso mostro-me interessada na tua viagem, nas aventuras que vais vivendo, nos sítios por onde já passaste. E nunca te pergunto quando voltas. Sei que, quando decidires será por ti e apenas por ti. Agora percebo o que querias dizer naquele almoço, quando falavas de generosidade e de amizade. Esqueceste-te de dizer individualismo. És uma pessoa avulso, Miguel, há procura da tua alma do outro lado do mundo, e eu tenho-a aqui adormecida nas mãos e não sei o que fazer dela, porque a tua alma se fundiu, em tempos com a minha e não consigo olhar para dentro do meu coração sem te ver lá, mesmo que tenhas escolhido outro caminho. Os destinos vivem-se como uma outra vida e eu tento todos os dias – acredita, porque é mesmo verdade - olhar para os dias e enchê-los sem ti. Mas em vez disso, contemplo-os como se não fosse eu a vivê-los, enquanto treino em surdina um verbo novo, que quer queira quer não, vou ter que aprender a conjugar em todos os tempos e modos. O mesmo verbo que me deu força quando a minha mãe morreu: o verbo aceitar. Aceitar que já me amaste, que nada é eterno e tudo muda, que a vida é feita de momentos, que devia estar-te grata por todo o amor que me deste, pela tua frontalidade e sinceridade. Aceitar que o meu amor por ti não te podia roubar a juventude, aceitar a perda e a ausência daqueles que amo. Amar alguém é deixá-lo partir, olhar o céu e ver na dança da lua um momento qualquer em que talvez voltes, sem nada pedir nem nunca esperar… »
Margarida Rebelo Pinto em " Alma de Pássaro"